Terceira Carta – Voltando pra Clínica

Meu caro amigo,

 

Faz uma semana que voltei pra clínica. Acho que essa é outra boa notícia, pois eu já estava começando a perder o controle sobre mim mesmo e, além do mais, aqui eu não me sinto tão sozinho.

Tudo começou depois que as vozes me diziam pra eliminar os demônios que haviam entrado no corpo dos cachorros do Paulinho e da Amanda, os filhos do seo Agenor, meu vizinho. Eu tentei resistir a essas vozes, mas elas continuavam e me alertavam que se eu não matasse aqueles cachorros eles, os demônios, matariam as crianças e todos naquela casa. Então, em uma noite (já passava da meia-noite), eu, munido de uma faca daquelas de matar porco, pulei o quintal do seo Agenor e esfaqueei aqueles cães. Os demônios são muito astutos, meu caro amigo, e eles tentaram disfarçar sua maldade quando aqueles animais, ao me ver no quintal, vieram em minha direção abanando o rabinho, mas não conseguiram me enganar pois pude ver em seus olhos a influência maligna que os dominavam. Tive que dar quatro facadas no Tostão e apenas duas na Pituca… Acho que o barulho acordou o seo Agenor e depois que a luz do quintal acendeu ele apareceu na porta e, lembrando agora do fato, percebi que ele ficou bem assustado com a aquela cena. Eu, com a faca na mão e todo ensanguentado, me aproximei dele e disse: “Eles estavam possuídos por demônios e iam matar as crianças e todos vocês. Mas agora o senhor pode ficar tranquilo que já dei um jeito nisso”. O pobre coitado, boquiaberto e pasmo, pediu gentilmente que eu fosse embora e sugeriu que eu voltasse pra clínica  a fim de intensificar meu tratamento. Ele me conhece há muito tempo e sabe que eu sou esquizofrênico paranoide e acho que isso contribuiu pra que ele pegasse leve comigo. Ainda bem, né? Imagina se fosse com outra pessoa?

Meu caro amigo, sei exatamente a dimensão da minha loucura e voltar pra cá foi uma ótima decisão uma vez que, se eu continuasse a dar ouvidos aquelas vozes, provavelmente alguém iria acabar se machucando e esse alguém certamente seria eu. Fico muito feliz e grato por poder estar contando tudo isso a você e de ter você como amigo. Isso tem contribuído muito no meu tratamento.

Por acaso você tem notícias da Sofia? Sinto saudades dela. Como será que ela está? Se souber algo a respeito, por favor, me diga. Tenho pensado muito nela ultimamente mas, como havia dito em uma das catas, é melhor manter distância. Pelo menos por enquanto.

E você, como tem passado? Quais as novidades? A Catarina já está indo pra escola?

Bem, meu caro amigo, vou ficando por aqui. Daqui a pouco tenho uma consulta com o Dr. Albieiro e não quero me atrasar. Mande notícias mas tome muito cuidado com o que você irá escrever. Eles leem as cartas antes de entregar e é bem provável que haja terroristas aqui disfarçados de enfermeiros e dependendo do que você disser nas cartas eles podem usar isso contra você e toda a sua família.

Um forte abraço do seu amigo que sempre te estimou,

F.O.

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